
Depois, me lembrei de outra história, que afetou de modo muito profundo pessoas da minha família. Meu avó teve duas mulheres durante quase toda a vida. Quando tinha mais ou menos 10 anos de casamento com minha avó, ele conheceu Maria Luiza. Ele era motorista de caminhão numa cerâmica, ela operária da fábrica. Ele viajava para o Rio levando as louças, era longe, estrada ruim e ele ficava mais de mês fora e de lá mandava para ela cartas apaixonadas. Nos primeiros tempos, ela teria resistido, era casada também, mas depois que perdeu o marido, sozinha com filhos pequenos, cedeu ao assédio dele.
Convivi com meu avô na adolescência. Ele tinha um risinho fácil, era curioso, mantinha uma foto do JK em cima de um cofre que ficava no canto da sala; às vezes recebia amigos em casa, gostava de cachaça e acho que nos últimos anos da vida aprendeu a dançar. Minha avó deve ter sido bonita jovem. Tinha pele alva, olhos azuis, porte empertigado. Já ouvi falarem que ela era neta de franceses. Muito vaidosa, colocava rodelas de pepino no rosto, mas era acabrunhada, dependente e acho que alguns de nós herdamos dela um certa bipolaridade. De vez em quando minha avó trocava a blusa de florzinhas azuis e laço no pescoço para vestir vermelho e sumir pela cidade. Pelo menos uma vez lembro dela fazer isso e recordo o dia em que me pediu para ler o documento do carro que meu avô apareceu de repente. O carro estava no nome da outra. Eu era inocente. Ela sofreu, odiou, esconjurou ele.
A outra conheci já velha. Era uma mulher baixinha, de cabelo preto e crespo, sem nada demais. Mas ele deve ter encontrado nela companheirismo, diversão, o gosto do beijo na boca, o sexo bom. Era meu avô, mas era um homem. Ela também sofreu. Na única vez em que conversamos, ela me falou dos ciúmes que sentiu da minha avó a vida inteira e deduzo que, como todas as amantes, sempre teve esperança de que um dia ele fosse só dela. Isso durou mais de 50 anos. Meu avô criou os filhos dela e viu os netos dela crescerem, mas manteve o compromisso do casamento, da palavra empenhada e foi o rosto da minha avó que ele viu pela última vez. Maria Luiza não foi ao enterro, mas cuidou do túmulo dele e colocou flores lá durante o resto dos anos que viveu. Me contou que guardara as cartas e que ultimamente ele tinha voltado a falar de amor...
Eu não posso execrar meu avó. Colocando essa história na perspectiva do tempo (ele morreu há mais de 20 anos) eu me pergunto: ainda que com todo o sofrimento, com toda a dor que causou aos filhos e à legítima mulher, deveria ele ter renunciado a esses amores, à vida que deveria ter sido vivida?
Não defendo que um homem possa ter duas mulheres, sei que essa é uma história machista, que as mulheres não precisam mais subjugar-se por qualquer tipo de dependência, financeira ou emocional, mas não posso deixar de pensar que podemos, sim, amar a mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

À sua maneira, meu avô amou as duas mulheres, as duas famílias, os dois lares, as duas vidas que viveu. Não pôde renunciar a uma nem a outra.
Por destino – ou ironia dele – um fulminante ataque do coração levou meu velho vô.
Muito interessante essa história, gostei das reflexões... Boa sorte com o Blog!
ResponderExcluirVirão outras histórias para te alegrar!
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