sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A TREPADA QUE NÃO ROLOU

Desde que nos vimos pela última vez tenho tentado me convencer que tudo foi como tinha de ser, que não rolou porque não tinha que rolar. Mas não consigo acreditar nisso. Tudo que eu mais queria eram teus beijos, fazer o que toda mulher apaixonada quer, dar para o cara que ela está afim, que ela ama. Naquele momento eu estava louca por você. Aproveito hoje, que o Rossi morreu, para falar deste amor perdido, da trepada que não rolou, do que podia ser e não foi. Enxugo as lágrimas para confessar:

Eu só queria dar para você e estraguei tudo. Que merda fui fazer!  

Você foi a pessoa mais legal, mais tudo a ver que tive a sorte de encontrar nos últimos tempos. E, a única coisa que ameniza essa raiva de mim mesma, é tentar acreditar que nunca ia dar certo, porque eu nunca seria suficiente para você;  que jamais você se apaixonaria por alguém que nem em toda a vida vai conseguir ler os livros que você já leu, entender os temas que você entende, assistir os filmes que você assiste, falar as línguas que você fala...  

Você não sabe o quanto me acho tola por não perceber que mais importante era o tesão, e que naquele momento você estava afim de mim, me queria.  Por que isso não me bastou, por que eu tinha que tentar ser e fazer coisas que não sou? Queria mesmo era ter tirado a calcinha cor de rosa e aberto as pernas para você, ter colocado meus lindos peitos na tua boca, ter-lhe dado a chupada da tua vida porque aí, mesmo que você desvendasse todos os meus segredos numa única noite e nunca mais me quisesse, ainda assim jamais me esqueceria.  

Acabei escondendo o melhor de mim, minha melhor porção. Que merda.

Tudo que eu precisava era manter o espírito livre, desencanar das certezas e ir contigo para aquele hotelzinho ali do centro, onde a gente pudesse trepar a vontade, tantas vezes tivéssemos vontade e fazer todas as coisas que tínhamos imaginado naqueles dias que precederam nosso encontro, pelo chat. Havia química, nosso astral batia,  o tesão rolava. Estávamos atraídos pela pele, pelas mãos,  pelo cheiro. O beijo tinha dado certo. Tudo bem que podia não ser nada do imagináramos, mas agora é tarde demais para saber. O tesão pode ter ido irremediavelmente embora. E eu não peguei no teu pau, não provei da tua porra, não sussurrei no teu ouvido "mete, me fode gostoso". Não gozei na tua boca.

Que merda (não consigo parar de repetir a mim mesma). 

Nosso primeiro encontro sozinhos foi o melhor. Ainda me restava alguma segurança. Mas ali já dei início àquele papinho bobo de quero ser sua amiga. Tudo bem que naquela noite não fôssemos para a cama, mas eu devia ter chegado naquele café, sentado do teu lado, encarado teu olhar e ter dito com toda a franqueza: "Eu estava louca para te ver". Tudo que eu queria era ter ficado ao teu lado. E você tinha aquele perfume maravilhoso, chegou a falar de uma possível paixão e me fez uma pergunta que só depois eu saberia a resposta. Sim, eu assistiria teus filmes ... e cuidaria com amor dos teus livros, ouviria teus CDs, tentaria decorar teus poemas preferidos e tiraria a roupa e ficaria de quatro cada vez que você me desejasse.   

E fui dando sequência às tolices e infantilidades. Depois que abrimos nossas câmeras, para que eu te visse gozando, sumi por quase 24 horas, te deixando grilado e confuso. Não me pergunte o por quê. Teria sido bem mais legal dar algumas risadas e te prometer que na próxima vez você gozaria ao vivo na minha boca...  e daí, durante aquele jantar no nosso segundo encontro, no restaurante perto do arco, eu não conseguia expressar nenhuma coisa inteligente e perdi a oportunidade de ouvir de novo os versos do Bandeira (que eu torço para que você se lembre deles).  O decote era ousado, tinha feito depilação, queria me esfregar em você, mas ao invés disso fugi naquele táxi amarelo. Fugi e não me perdoo quando lembro da expressão com que te deixei ali parado.

Podia dar tudo errado, sim. Talvez eu estivesse agora escrevendo este texto ao contrário, achando que trepar com você tivesse sido o maior engano da minha vida, mas o tesão que ainda me queima me diz que qualquer coisa teria sido melhor do que isso agora. A tua presença silenciosa na rede, as entradas e saídas do face, sem nunca mais piscar o alerta das mensagens a me avisar que lá vinha você, querendo falar sacanagem, ficar de pau duro de novo e bater uma punheta enquanto te fazia imaginar que era eu ali, debruçada na tua frente. 

E, finalmente, a merda daquele terceiro encontro, o pior de todos, cuja unica coisa sensata a ser feita era não ir. Teria sido lindo aquele passeio pelos casarões e ruas estreitas, livrarias e cafés, mas me superei na estupidez. Como eu pude achar que sobreviveria ao teu espírito arguto, tua mente afiada, teu olhar perscrutador? Só falei coisas tolas, sem sentido. Nenhuma resposta honesta. Só um desejo desesperado de aprovação, que tu cruelmente me negaste... Tudo foi tentativa inútil de consertar o que já não tinha mais conserto. E ainda que tivesse restado em ti um pouco daquele tesão que o movera até ali, o fogo se esvaneceu frente às minhas frágeis tentativas de parecer aos teus olhos um pouco melhor do que imagino que sou. 

Escondi o que eu sentia e agreguei burrice a tudo. 

Pior é ser consumida pela noção de que aquela pessoa que despertou teu desejo existe, sim. Há em mim um lado que permaneceria tua eterna ouvinte; outro que te acompanharia nos encontros, em busca de gente alto astral, e outro que viveria numa choupana, água, vinho e um pouco de pão, pelo menos enquanto perdurasse o desejo, estivesse vivo o tesão. Minha natureza romântica, submissa, passiva, só queria ser possuída por você. Falaria o que quisesses ouvir, juraria, cederia, fingiria ser tua escrava quando teus instintos de poder estivessem exaltados e praticaria todas os outros verbos que rimassem com aquela possível paixão.   

Mas o que fiz foi camuflar e tentar controlar nossos destinos. Boicotei o lance mais legal que rolou desde há muito tempo. E tudo que consegui foi aquele beijo na testa de despedida. 

Não era isso que eu desejava, o teu respeito, no lugar do teu pau e dos teus versos? 

Foi o que me deste. Foi o que mereci.  

Que merda.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

O lado da felicidade

Eu falava de você enquanto seguíamos para a casa dele. Tínhamos conversado no bar sobre nosso trabalho, filhos, pequenas vitórias, decepções e agora o tema eram os relacionamentos, o amor. "Como vai o coração?" ele quis saber. Já se passou algum tempo, mas as lembranças são frescas. Conto como nos conhecemos, como as coisas começaram e o quanto nos envolvemos. 

Você sabe, eu não acreditava que você pudesse ir embora, como foi. Não acreditava que houvesse um fim, como houve. Entendi todas as suas razões para partir, havia tanta coisa em jogo, pessoas envolvidas, sentimentos. Seria canalhice, justifico. "E vocês nunca mais se falaram?". Acho graça. Separações e desfechos parecem importar mais que a história de amor. Deve ser porque na dor nos solidarizamos.

Estamos quase chegando à casa dele, mas temos tempo de refletir o quanto fomos importantes um para o outro. Você, um cara tão fechado, eu, uma mulher cheia de relacionamentos; você, com uma vida tão certinha enquanto a minha foi costurada em erros e desacertos; você, que sempre fez sexo seguro e convencional e eu, disposta às coisas mais liberais. Nossa diferença residia na dualidade: nunca pensei com a cabeça, você pouco se norteou pelo coração.  

Juntos, nos modificamos. Você viu que os conceitos podiam ser discutidos, reformulados, jogados pela janela; eu vi que certas coisas devem ser mantidas e preservadas para sempre.  Você experimentou o gosto da efemeridade, eu provei o sabor da constância, da permanência, do duradouro. Abrimos uma janela para ver o mundo como nunca antes tínhamos visto. Germinei em você a semente do inusitado, do prazer pelo devir. Você deixou em mim o desejo de criar raízes e acreditar em eternidades.

Agora você me diz que anseia por liberdade e deseja ir atrás do que te faz feliz, mas ainda que disposto a aventurar-se pelo mundo, você conduz seus dias na manutenção da vida edificada;  tudo ao seu redor gira como sempre.  Meu amigo desvia  a atenção da estrada e me lança um olhar cúmplice. Concordamos que sua felicidade, ao contrário do que imagina, pode estar ao seu lado.

Ao mesmo tempo, vou a caminho de mais uma aventura, algumas horas de carinho e sexo. Esqueço depois das três tulipas de chope que queria sexo com compromisso e telefonemas amanhã. Interessa o momento, o prazer da descoberta,  o que estamos sentindo, o desejo. Ficaremos juntos até o amanhecer e na despedida haverá um beijo na boca e nenhuma promessa. 

Ao acordar, já sozinha em casa, reflito: afinal, de que lado está a felicidade? 

Meu coração bate sem saber
que meu peito é uma porta aberta
que ninguém vai atender. 

(do Arnaldo)

sábado, 14 de dezembro de 2013

Francisco e suas amadas

Francisco mora duas casas depois da minha. Ele é um tipo meio ruivo, nascido no Sul, com vozeirão de tenor. Popular, muito falante, é puxador de samba. Quando mudou-se para cá, por causa do jeito expansivo e meio desmedido, minha natural sisudez e antipatia por coisas e pessoas esfuziantes, me fazia torcer o nariz para o Francisco. Aos poucos fui-me acostumando com a figura e até gostando de trocar farpas com ele. Ele é bom no embate. Quando estou séria, me chama de madame e não me sinto ofendida quando elogia minha silhueta ao me ver saindo para a academia. Francisco mexe com todo mundo que passa pela nossa rua, a Sabará. No Jardim Ismênia, todas as ruas têm nome de cidades mineiras e Francisco fica ali, vendo quem vai e quem vem, enquanto conserta o defeito dos motores das máquinas de lavar roupas na pequena oficina montada na garagem da sua casa de fachada laranja e onde se vê a placa Refrigeração São Francisco de Assis, obviamente seu protetor.  

Homem forte, vigoroso como sua voz, de uns tempos para cá Francisco emagreceu muito. Ausente que andava, ao revê-lo depois de uma temporada, tomei um susto. Mas me contive e perguntei em tom elogioso que elegância era aquela, embora seu ar fosse de cansaço e as roupas largas evidenciassem que não se tratava de magreza de vaidade. Me respondeu que estava com uns problemas, falou numa dor no braço, que não estava podendo trabalhar direito. Enrolou e me deixou sem saber o motivo daquela perda de seis quilos ou mais que o abateu de maneira evidente. 

Depois disso, percebi que Francisco mudou a rotina, da lida com os motores pifados, passei a vê-lo nos finais de tarde sentado na calçada - sim, aqui as pessoas ainda têm o costume de sentar na porta de casa - ao lado  da Nina, a cachorra de estimação. Continua zombando de um e de outro, meio largado na calçada; aqui ninguém anda mesmo na calçada. O vai e vem se faz pela rua. Observado de perto pela cadela, Nina é companheira inseparável. De cor caramelada, sem raça definida, é uma cadela gorda, roliça, de pernas bem fininhas, e um balanço de ancas desajeitado, talvez pela falta do rabo, extirpado de um modo que só lhe restou um cotoco. Costumo observar que Nina está gorda demais e sou repreendida por Francisco, que justifica a vida de privilégios e regalias que ela leva: come muito bem e dorme na cama dele. Quem sou eu para entender de paixões...

A outra companheira da vida de Francisco é a mulher, cujo nome desconheço, porque só nos tratamos por "amada". Ela chama todo mundo assim. Quando me vê, expansiva como o marido, acena e pergunta: "tudo bem, amada?" no que eu respondo, "tudo bem, amada, e você?". Assim, nunca precisei saber o nome dela, nem nunca trocamos mais que meia duzia de prosas. Mas ontem, quando retornei da ginástica, foi Amada quem encontrei vigiando Nina na voltinha do final da tarde. Quis saber do Francisco. "Deitado, ele não tá muito bom". Francisco tinha ido fazer uma biopsia. "Onde?" Ela circulou a mão pela lateral do abdômen indicando algum lugar entre o baço, o fígado ou o pâncreas. Disse que a médica achou que havia alguma coisa "muito aumentada" por ali, mas fiquei sem explicação sobre de onde exatamente saíram as células suspeitas do corpo do Francisco. Amada teve que correr atrás da Nina, que já se encontrava uns dois postes adiante.

Entrei em casa e comentei: "Francisco fez uma biopsia". Minha mãe, escorpiana e fatalista, disparou: "ele emagreceu muito mesmo, emagrecer assim...  já viu, né?". Ficamos uns momentos em silêncio, pensando na biopsia do Francisco, mas logo os gritos da mocinha na TV ligada na novela das seis distraíram a nossa atenção. Hoje de manhã, vi Francisco, Amada e Nina na calçada, saindo da casa de outra vizinha, a cabeleireira que pinta e escova meus cabelos. De dentro do carro, perguntei: "e, aí, tudo bem?" Foi Amada quem explicou que sim, estavam bem, mas hoje ela não ia trabalhar, ficaria em casa cuidando do Francisco. 

Novamente me percorreu um pensamento sombrio, mas segui para meu passeio com certo reconforto. Francisco tem duas amadas. 

 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A DESPENSA

Na fresta deixada pela porta entreaberta do armário da despensa, minha mão penetrava tal qual um amante através da noite. Quando já se sentia ambientada naquela escuridão, ia apalpando o acúçar ou as amêndoas, as passas ou as frutas cristalizadas. E, do mesmo modo que o amante abraça sua amada antes de beijá-la, aquele tatear significava uma entrevista com as guloseimas, antes que a boca saboreasse sua doçura. Com que lisonjas entregavam-se à minha mão, o mel, os cachos de passas de Corinto e até o arroz!  Com que paixão se fazia aquele encontro, uma vez que escapavam à colher! Agradecida e desenfreada, como a garota raptada da casa paterna, a compota de morango se entregava mesmo sem o acompanhamento do pãozinho para ser saboreada ao ar livre, e até a manteiga respondia com ternura à ousadia de um pretendente que avançara até sua alcova de solteira. A mão, esse Don Juan juvenil, em pouco tempo invadira todos os cantos e recantos, deixando atrás de si camadas e porções escorrendo a virgindade que, sem protestos, se renovava. 

Infância em Berlim, Walter Benjamin (texto que me confirma sua alma canceriana, ele era nascido em 15 de julho, quase como eu, que sou do dia 12 e adoro as guloseimas...) 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

SOU VOLÚVEL



SOU VOLÚVEL - letra que tem tudo a ver com a ideia do blog, pelo menos neste momento.

(Arnaldo Antunes / Marisa Monte / Dadi Carvalho)


página vazia, melodia
onde é que a palavra vai cair?
onde vai cair?
acho que ela vai aterrisar em território perigoso

de onde a ideia vai sair?
por onde vai andar?
onde o pensamento vai chegar?
acho que ele pode atravessar um território perigoso

só porque eu falei não quer dizer que eu sei
só porque eu falei não quer dizer que eu não posso estar errado
só porque eu falei não quer dizer que é lei
só porque eu falei não quer dizer que se eu falei está falado

eu já mudei de ideia
e você com isso?
eu sou volúvel
não tenho compromisso.

Carta a um amigo

Oi F., tudo bem?

Estava esperando o resultado final da seleção do doutorado para mandar notícias. Nao entrei. Cheguei a fazer a entrevista, mas ainda não foi desta vez. Estou bem chateada, como você pode imaginar, mas sei que não devo desanimar.  Não há muito que eu possa fazer neste momento, exceto tentar manter o ritmo de leituras e pesquisas.  O projeto que apresentei nao era de fato algo que eu acreditasse muito e nem me empolgava de maneira significativa. Assim, espero até a próxima seleção encontrar um novo tema e definição sobre algo para estudar que realmente faça sentido para mim. 

E você, tudo bem, tem conseguido produzir, em paz consigo mesmo? Sim, eu acredito que esse seja um estado possível, apesar de tudo que tenhamos que passar, enfrentar, viver. 

Nao sei quando volto à sua cidade, não tenho qualquer perspectiva neste momento, nem vontade, para ser sincera. Como tambem não estou a fim de ir para qualquer lugar, apesar de toda a liberdade que conquistei. Engraçado, não é? Diferente da maioria, que parece ansiar por libertar-se, eu não quero sair do lugar onde me encontro. Talvez seja porque minha vida aqui segue sem sobressaltos. Tenho uma rotina tranquila, de exercícios, comida mais ou menos saudável, tempo para pensar, nao fazer nada, sonhar. 

Estou escrevendo um pouco e aproveito para convidá-lo a ler. Os textos nao têm pretensão jornalística ou literária, sao "exteriorizações de sentimentos", como definiu um ex-professor; pequenas histórias sobre aventuras vividas,  impressões. Gostaria de acreditar que esses escritos fossem a semente para um projeto mais ambicioso, de escrever profissionalmente ou no mínimo de alcançar alguma notoriedade por meio deles. Mas, apesar de alguns elogios, sei das minhas profundas limitações, desconheco conceitos, nada sei de filosofia, sequer consigo definir com clareza sentimentos. Nada, nada eu sei. Meu arsenal é feito de vida oscilante, entre encontrar um lugar no mundo e erros. 

Vi uma foto sua no FB e fiquei muito contente. Sempre acho que não demonstro suficiente amor nas ocasiões em que estou com os amigos, impressão que posso ter deixado no nosso último encontro, naquele restaurante japonês.  Aquele foi um episódio de uma situação que talvez um dia possamos conversar,  mas que espero não tenha afetado nossa relação, já que tinha omitido o fato de que possuía alguma intimidade com E. Peço desculpas se produzi algum constrangimento. 

Espero dentro de alguns meses estar refeita das últimas perdas, da chateação deste momento (o resultado saiu na sexta) e de estar mais disposta a vida. 

Assim que a alegria voltar a bater no meu coração, estarei aí batendo na sua porta.

Abraços, CV.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Definição



De costas para o mundo, 
com poderosas antenas
que tudo captam. 
Esta sou eu. 




A foto é de Arkadiusz Branicki, retirada do site: 
 http://www.fineartnude.pl/zodiac

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

FILOSOFIAS DOMÉSTICAS

Limpar e arrumar a casa é coisa que faço com certo prazer. Não gosto de estar todo o tempo com a vassoura na mão, nem sou obcecada por limpeza, curto outros prazeres da vida doméstica. Mas gosto de limpar e conjugo também verbos como  organizar, clarear, arejar, perfumar, brilhar, além dos afins, como combinar, equilibrar, harmonizar. Gosto do limpo e arrumado, nenhum canto me escapa e até coloco o óculos para me certificar de que não ficou uma sujeirinha para trás.

Isso me caracteriza e posso transformar qualquer lugar num lar, basta  que ali haja acolhida. Não sou daquele tipo que sente falta do próprio travesseiro. Lembro de uma viagem de moto com um namorado, só tínhamos uma rede, chegamos lá pela floresta de Itatiaia já tarde da noite e só encontramos um rancho escuro para dormir. Foi uma noite fria e chuvosa e o abrigo nos protegeu.  Pela manhã, antes de abandonar o local, lembro de pensar que, se tivesse uma vassoura, deixava limpo o lugar.

Essa faceta já me trouxe muita reflexão. Tempos atrás convivi com uma pessoa sem nenhuma habilidade para limpezas e arrumações. Ela não sabia fazer nada, não aprendera e não devia gostar também. O quarto onde dormia era sempre fechado (para nao entrar pó, dizia, no que eu achava graça), colecionava dezenas de objetos, que entulhavam o quarto, tinha bichos de estimação e ainda fumava dois tipos de cigarrinhos. Tudo ali, no mesmo lugar. Eu costumava limpar, uma semana depois voltava tudo a ser como antes.

Mas foi por causa dela que muitas vezes questionei esse meu jeito de ser. Ela era extremamente generosa; partilhava tudo que era dela, nunca estava de mal humor,  ficava genuinamente feliz na presença de outras pessoas. Não ligava para a sujeira ao seu redor, mas tinha uma pureza interior, e muitas vezes inverti  esta perspectiva ao me avaliar. Demorei para entender que, afinal, todos temos um lado limpo e outro sujo - embora nunca tenha deixado de considerar que algumas pessoas são mais limpas que outras e não estou falando da poeira no chão ou da louça em cima da pia.

Gostar  de limpar não significa camuflar um lado sujo, não é mania ou neura. Talvez seja uma tentativa de compatibilizar o mundo ao meu redor com as necessidades interiores; no caos, no sujo, no fora de ordem eu me desequilibro - como se todas essas coisas tivessem poder sobre mim. E sempre acho que, na impossibilidade de mostrar outras habilidades, que talvez eu nao possua, esse é o máximo do talento que tenho a exibir...

Conheço pessoas originais na arte de se relacionar. Tenho uma amiga DJ que recebe os amigos em casa com músicas que compõem a história pessoal deles. Do meu jeito, busco compor uma atmosfera agradável para mim mesma e para aqueles que me cercam. Alguns  se sentem gratos e envolvidos por ela. 

Depois das faxinas, quando meu corpo ainda resiste, coloco a pressão na panela e preparo um cozido cheiroso; saltam umas batatas tenras do forno e, dependendo do clima, uma (ou mais de uma) taça de vinho me ajuda a relaxar, desfrutar do resultado do esforço. Em noites assim, às vezes de lua e estrelas no céu, tenho vontade de filosofar, de pensar na beleza das coisas, mesmo sabendo que, no outro dia, vai ter mais louças para lavar.