Na fresta deixada pela porta entreaberta do armário da despensa, minha mão penetrava tal qual um amante através da noite. Quando já se sentia ambientada naquela escuridão, ia apalpando o acúçar ou as amêndoas, as passas ou as frutas cristalizadas. E, do mesmo modo que o amante abraça sua amada antes de beijá-la, aquele tatear significava uma entrevista com as guloseimas, antes que a boca saboreasse sua doçura. Com que lisonjas entregavam-se à minha mão, o mel, os cachos de passas de Corinto e até o arroz! Com que paixão se fazia aquele encontro, uma vez que escapavam à colher! Agradecida e desenfreada, como a garota raptada da casa paterna, a compota de morango se entregava mesmo sem o acompanhamento do pãozinho para ser saboreada ao ar livre, e até a manteiga respondia com ternura à ousadia de um pretendente que avançara até sua alcova de solteira. A mão, esse Don Juan juvenil, em pouco tempo invadira todos os cantos e recantos, deixando atrás de si camadas e porções escorrendo a virgindade que, sem protestos, se renovava.
Infância em Berlim, Walter Benjamin (texto que me confirma sua alma canceriana, ele era nascido em 15 de julho, quase como eu, que sou do dia 12 e adoro as guloseimas...)
Nenhum comentário:
Postar um comentário